Personalidades complexas ou o problema das rectas

8 05 2007

M.Hermann tinha uma personalidade complexa. Certas crianças nascem com cabelo farto ou principiar de dentição. M. Hermann não surgiu com nenhuma dessas características. Nasceu com uma personalidade complexa, apesar de só o ter percebido aos dezoito anos, cinco meses e seis dias quando um sujeito de personalidade simples lho disse. Ainda que tivesse uma personalidade complexa M. Hermann admitia nos outros o óbvio, não vendo nisso embaraço para o carácter provavelmente por ter sido uma pessoa de personalidade simples que lhe dissera que ele possuía uma personalidade complexa.
As pessoas com personalidade complexa não são diferentes da vulgar criatura. Essas são as pessoas extravagantes. Mas M. Hermann não o era, embora tivesse tido essa tentação em 1998 por causa de uma namorada excêntrica. Como a namorada excêntrica casou com um anterior pretendente – esse sim excêntrico – M. Hermann resolveu manter-se fiel à sua personalidade complexa, por si só já rigorosa nos requisitos. Isso nem sempre se demonstrou uma boa opção se pensarmos, por exemplo, que não existem lojas habilitadas para pessoas com personalidades complexas e é possível encontrar, em contrapartida, certos locais com produtos exóticos para pessoas extravagantes.
Ora as pessoas com personalidade complexa são conhecidas por terem comportamentos e gostos próprios de personalidades complexas como acontece, aliás, com os indivíduos de personalidade comum conhecidos por terem comportamentos e gostos próprios de personalidades comuns. Tal sucedia com M. Hermann conquanto, também, se lhe conhecesse atitudes e gostos de pessoas exigentes (com atributos próprios mas não contradizendo os das personalidades complexas). Feita esta ressalva – que como todas as ressalvas se demonstrará útil no futuro – não é difícil perceber que M. Hermann tivesse uma postura adequada à sua personalidade complexa barra exigente (salvaguardando ter esta última propriedade menor volumetria em confrontação com a complexidade).
O habitual era, de acordo com a personalidade complexa de M. Hermann, pouco prometedor. Optava, por isso, pela irregularidade e não pela rotina. Preferia ir à origem das coisas antes de passar, de imediato, para a conclusão. Preocupava-se com a causa antes de cismar com o efeito.
Devido ao seu complicado temperamento M. Hermann nunca escolhia o caminho mais directo para as coisas. Sucede assim com as pessoas de personalidade complexa, especialmente se também forem exigentes (mesmo que levemente). Pensava nas rectas que nunca se encontram, embora caminhem paralelamente, e isso assustava-o. Preferia o zig zag. Mesmo correndo o risco dos trocar, tomando o zig quando devia preferir o zag e este quando importava mais o zig. O caminho mais longo parecia-lhe mais cheio de possibilidades. Ainda que a longa distância seja mais propícia a enganos que a curta e, por essa razão, tornando mais fácil as pessoas perderem o norte ainda para mais não havendo mapas especiais para pessoas de personalidade complexa. Valia o risco. Talvez isso explique o facto de nunca mais ter sido visto desde o dia em que saiu para comprar laranjas na mercearia da sua rua, conhecida pela sua simplicidade e laranjas importadas da Califórnia. Tentem nos EUA.


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